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Posts Tagged ‘Folha de S. Paulo’

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Quando eu cheguei por aqui – como diz Caetano Veloso em ‘Rock’n Raul’ – tudo era novidade. Entre o final de 1985 e 1986, São Paulo tinha um trânsito já complicado, mas menos caótico. E uma curiosa, para mim, etiqueta de
relacionamento que eu não dominava, vindo de uma Porto Alegre menos gigantesca e mais regionalista.

Ninguém simplesmente visitava um amigo, colega ou até familiar. Ligava-se antes, e havia uma negociação para finalmente agendar a visitar. Como se fosse uma reunião de negócios. E se você esperasse, em casa, um convite
destes, bem, ficaria velhinho antes de o receber.

 Aprendi a me comportar, digamos, com Angeli, Glauco, Laerte & Cia., pelas dicas que seus personagens nos transmitiam. E percebi também, neles, características com as quais nem sonhava. Por exemplo, compartilho com a dupla Wood & Stock a paixão pelo roque dos anos 60. Chego a repetir o mantra “parei em 1968”, que li, um dia, nos quadrinhos, em referência ao gosto musical. Digamos que parei em 1970, quando os Beatles se separaram.

Nos personagens do Glauco, ficava mais fácil entender a cultura paulistana, o modo de viver, a solidão compulsória e autoinflingida, pela correria, falta de tempo, distâncias que parecem se multiplicar em função do trânsito.
E a necessidade atávica de correr atrás do prejuízo.

A “Folha de S.Paulo” conseguiu, na edição deste sábado, 13 de março de 2010, comunicar a importância dos cartunistas em nossas vidas exibindo grandes vazios em lugar de seus trabalhos. Foi uma belíssima e sensível homenagem não somente ao Glauco, mas a todos os que labutam nesta forma de comunicação direta, engraçada, profunda e inestimável.

Glauco partiu da comunidade em torno de Céu de Maria, uma bela metáfora do desejo de se religar, a verdadeira religião, que não tem ouro nem mirra, que não tem senhores nem comandados. Esse desejo de religação lembra, um pouco, sentimentos que permeiam um ícone dos 60 (sim, voltei aos 60), George Harrison, que sempre expressou isto, de alguma forma, em canções como “My Sweet Lord”.

É o que todos queremos, espiritualistas ou céticos. Voltar a um mundo do qual não lembramos, mas que adivinhamos, palavra que deriva de ‘divinare’, divino, de Deus, da divindade.

O assassinato do Glauco não matou somente o criador. Privou-nos do contato diário com Geraldão, Dona Marta, Casal Neuras, Zé do Apocalipse, Geraldinho, Doy George, Nojinsk, Faquinha, Ozetês e Cacique Jaraguá.

Agora, eles voltarão a circular anônimos na multidão paulistana, em meio a de mais de 11 milhões de pessoas, com suas neuroses, seus sonhos e suas ideias. Estarão, também, na tiras já criadas, nos livros, nas coletâneas, nas lembranças, na Internet. Mas não haverá novas sacadas de Glauco, o que é muito, muito triste.

Que ele tenha um iluminado trajeto do Céu de Maria para a Grande Luz!

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